sábado, 27 de setembro de 2014

II


Vinte minutos depois de a banda ter começado a tocar...

E.
Estou a sentir o meu estômago a comportar-se de uma forma esquisita

P.
Isso já passa,

Quinze minutos depois...

E.
Estou a sentir as coisas a comportarem-se de uma forma esquisita.

P.
Caalma...

Dez minutos depois...

E.
Estou a sentir tudo extremamente esquisito!!!

P.
Ahahahahahahahahah...!

As sensações "esquisitas" que afirmava sentir derivavam de uma hipersensibilidade que nunca antes tinha experienciado. A música, que a banda lusitana reproduzia com talento, tomava conta dele; porém, em perfeita concordância que aquilo que representava a sua mais íntima vontade: cada vibração de cada nota de cada instrumento era absorvido e desfrutado pelo seu corpo-alma - mais que ouvida, a música era vivida. As distorções sonoras modificavam igualmente o espaço, que começava a ganhar os contornos próprios de uma lente olho-de-peixe; e o cenário visual ia-se metamorfoseando subtilmente: as ténues luzes brancas do palco maioritariamente escuro confundiam-se com o brilho das estrelas que faziam brilhar o breu celeste. E ele encontrava-se em plena simbiose com tudo aquilo, atingindo um estado de êxtase que transcendia qualquer experiência pela qual já tinha passado e o aproximava do transe dos iluminados. Ele respirava música, suava música - ele era constituído por música, dos calos dos pés às pontas estragadas dos seus cabelos; ele e todos aqueles veneradores d' A Música, também esses feitos de música, assim como cada uma daquelas estrelas melodiosas dependuradas na pauta musical que é o céu nocturno.

E.
(com um ar surpreso, que misturava, de forma peculiar, comicidade com aflição)
Acho que me minaram!

P.
Ahahahahahahah...!
(riso que resultava de uma combinação de espanto com troça)

Aquele riso arrastava-se-lhe como que em uma espiral que lhe penetrava ambos os ouvidos em perfeita sincronia, envolvendo-lhe o cérebro, e parecendo-lhe ecoar num espaço tão longínquo que chegava a soar intemporal, ou, se se preferir, eterno.
O ego cerrou as pálpebras... O negrume que, em ocasião de olhos fechados, substitui o lugar da visão ocular do mundo enchia-se de coloridos padrões que se metamorfoseavam, embalados pela melodia psicadélica, num fluxo contínuo, degenerando incríveis mutações de onde emergiam sugestivos símbolos ('sinais'?)

E.
Uauuu...!
(exclamou de si para si)
Vamos experimentar o Mantra por excelência: Aummmmmm ()...

E a (sur)realidade ia-se compondo e recompondo sobre o fundo negro do seu cerrar de olhos, sem nenhum esforço nem resistência da parte de alguém que poderia apenas ser ele-mesmo...
Quando finalmente decidiu abrir os olhos, nada faltava no festival para ser visto: exceptuando toda e qualquer presença humana! A multidão tinha-se evaporado! Assim como toda a banda e a "malta do staff". O ego encontrava-se (novamente) entregue a si-mesmo.

(...)

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