terça-feira, 21 de outubro de 2014

V


Por entre a mata vagueava esse nosso ego, iluminado pela escuridão psicadélica e embalado pela sinfonia que os grilos orquestravam sobre o silêncio dessa noite em que até as estrelas pareciam celebrar o sono na sua luminosa dança lenta (as estrelas dançam slows). Não conseguia entender como fora encontrar-se perdido no meio dos arbustos... Apenas a lua quasecheia, que o fitava com um olhar melancólico, conferia alguma clareza ao seu caminhar e o impedia de andar à cabeçada com todas as árvores que lhe aparecessem à frente. Lá do alto, esse astro ancestral insistia em lembrar-nos que cada matéria iluminada, ao reflectir luz, gera igualmente sombra: escuridão; para que nunca nos olvidemos que os opostos complementam-se.
Cansado de deambular, sentou-se em posição meditativa e colocou, com alguma demora e dificuldade, música a tocar no telemóvel. Não irei ocultar: fora, obviamente, a “perfeita” (segundo o seu juízo estético-artístico-musical) Lateralus (Tool) que o ego escolhera para o guiar de encontro a si-mesmo.
Fechando os olhos sentia uma energia imensa a despertar todo o seu ser, que se movimentava em sentido ascendente e intensificava-se à medida que a música ia ganhando pujança. Ele estava completamente consciente do desenrolar de todo este processo, apesar de nada conseguir ver, ouvir, tocar, cheirar, provar, ou mesmo pensar, no que diz respeito àquele fenómeno propriamente dito; estava apenas lá: testemunhando-se. Quando o som explodiu para expor as graças do seu apogeu, o ego sentiu-se como que atingido, de forma instantânea, por uma flecha muito fina, que o teria trespassado à velocidade da luz justamente um pouco acima do intervalo das suas sobrancelhas até perfurar metade do seu cérebro e atingir o seu núcleo, onde estancaria; porém, o “projéctil” emitia ainda uma enorme quantidade de energia, que se estendia por todo o seu corpo-alma. 
O nosso ego encontrava-se, agora, completamente renovado… Ergueu-se. Observou o céu; percorreu visualmente cada uma das estrelas… Fitou demoradamente a Lua: esta já não permanecia imbuída na melancolia; pelo contrário, enviava-lhe agora do espaço (tão perto e tão) longínquo um prolongado sorriso de compaixão astral.
Suou lágrimas pela face e não as limpou: deixou-as nutrirem o solo. Uma delas foi cair sobre o seu esquerdo pé descalço, de onde reparou estar a seu jorrada uma substância de tonalidade azul-marinho, como que de uma pequena cratera que se abrira num dos seus membros inferiores. Esse néctar escorria-lhe para a terra e fundia-se com o solo… 

E.
(de si para si)  Estarei a desfragmentar-me?

O ego meditava sobre o que afirmara Salman Rushdie, na voz de uma de suas personagens do livro proibido: ‘Para se nascer de novo, é preciso morrer primeiro’. Nesta altura da jornada já rezava, em arrebento, a Reflection (outra obra-prima do mesmo albúm): ‘Crucify the ego before its far too late, leave behind this place so negative and blind and cynical. And you will come to find that we are all one mind, capable of all that’s imagined and all conceivable. Just let the Light touch you, and let the Word spill through, and let It pass right through, bringing out our hope and reason… Before we pine away.’ 
A sugestão luminosa proveniente da música incentivavao agora a intrigava-se com uma essa luz que se fazia contrastar, ao longe, com escuro da noite e que ele desconfiava provir de uma tenda de campismo de festivaleiros, ou ter uma origem ainda mais fantástica... Foi de encontro ao (que suponha ser) “ouro".

(...)

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